segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Novas Gerações e a Interação com o Trabalho

"Se o bicho-da-seda fiasse para manter a sua existência de lagarta, seria então um autêntico operário assalariado." - Karl Marx


Vejo que ultimamente temos muitos textos na internet citando as novas gerações Y e Z como "desafios às empresas" no modo de como lidar com essas pessoas que se inserem no mercado a cada dia, fazendo com que muitas empresas contratem serviços de coaching para que chefes, líderes e congêneres saibam como lidar com essas pessoas.

A suposta "rebeldia" dessas gerações vem, segundo vários destes textos e dentre outras coisas, principalmente de sua interação com a tecnologia e o amplo acesso às informações trazidas pela internet.

Claro, informações sem senso crítico para analisá-las assemelha-se à um livro carregado de conhecimento, mas todo picotado. Não há como se aproveitar do que se lê se o leitor não entende ou sequer se dispõe à entender o que lê.

Vamos começar do básico da autocrítica? Pense no seu trabalho (passado, presente ou futuro, não importa), você passa, no mínimo, oito horas por dia (padrão brasileiro) trabalhando cinco ou seis dias por semana para quê? Pelo trabalho em si ou pelo pagamento, fruto da venda da sua força de trabalho?

Pense bem sobre isso, seja honesto consigo. Já consigo ouvir alguém dizer - "Eu tenho prazer em trabalhar, me enobrece!" - muito bom para você, você tem um trabalho que te satisfaz e cujos frutos lhe proporcionam uma boa vida, satisfazendo suas necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais, mas tenho que lhe dizer, se você parar para ouvir todo o resto das pessoas, sem fazer juízo de valor dos valores que citei no meu post "Vontade", as pessoas ao seu redor comentam as seguintes frases - "Não estou satisfeito com meu trabalho", "Me sinto cansado", "Finalmente sexta-feira!" e por aí vai.

Ouvindo todas essas pessoas, eu te pergunto - "O que você acha? A maioria das pessoas que o cerca devem procurar outro emprego?" e eu tenho certeza que ouvirei um "sim" e, então, lhe pergunto outra coisa - "Onde? Em qual lugar todas essas pessoas podem encontrar um emprego que lhes proporcione essa satisfação, de ver e saborear o fruto do seu trabalho de forma que seu próprio trabalho esteja integrado à suas vidas e não alheia à ela onde se torna o centro de sua vida?"

Pense, trabalhamos oito horas, nos restam dezesseis horas, retiram-se mais oito de um sono saudável, restam oito horas, subtrai-se mais uma hora de transito, restando apenas sete ao dia para o lazer e outras atividades como comer ou banhar-se, isso sem contar uma média de quatro horas dedicadas ao estudo voltado ao trabalho ou para cumprir requisitos para se obter outro emprego, o que deixaria a pessoa com apenas três horas restantes para as atividades citadas por dia. Pode-se argumentar que existem os finais de semana, o que nos deixaria com 32 horas, ou 16 para quem trabalha sábado, dedicados às atividades.

Façamos as contas então? Um jovem que está frequentando uma faculdade enquanto trabalha, tem cerca de 47 horas semanais dedicadas às seu lazer e outras atividades, arredondamos à dois dias para facilitar. Veja agora, ele tem dois dias dedicados à sua vida por semana, tendo por volta de oito dias por mês sendo que todo o resto é dedicado ao seu emprego, a manutenção ou garantia de outra profissão.

A vida desse jovem e do grupo cada vez mais crescente à que ele representa gira em torno de seu emprego, se esforçando durante cinco para viver dois dias por semana e ainda se "impõe" um "valor" social de que esse jovem devia ser "grato" por essa "oportunidade".

Essas gerações, de forma "instintiva", por assim dizer, começam a questionar esse paradigma, essa condição imposta, mas de forma diversa, uns querem a realização do trabalho, de geração de resultados com a "personalização" do trabalho e maior carga decisória na empresa (estereótipo da geração Y), outros querem a flexibilização da dinâmica do emprego preferindo apresentar os resultados esperados, mas sem abrir mão da vida pessoal (geração Z).

Porém, pela exigência social pela eficiência no emprego (exigindo toda essa dedicação da vida da pessoa para o emprego), resta pouco tempo para esses jovens se aprofundarem nas críticas, nos argumentos, nas suas lutas por um emprego melhor e exercício do trabalho que chegue perto do ideal.

E essa falta de profundidade para aprofundamento da crítica os deixam vulneráveis à exploração destas mesmas idéias, afinal o que a empresa quer é lucro e ela tem de se inovar caso a mão de obra disponível mude. E o que vemos hoje em dia? Empresas que flexibilizam as horas de trabalho, mas que impõem prazos curtíssimos para apresentação de projetos ou outros resultados, não pagando horas extras e usando-se de distrações como pizzas nas noites em claro de trabalho, além de noites em claro para "agradar clientes" por redes sociais. Colocando em miúdos, o jovem vende uma parte de sua força de trabalho por um contrato, mas o que é tomando pela empresa é o dobro, triplo ou até mais.

Em suma, estas novas gerações nasceram com a "revolta" no lugar certo, mas já foram conduzidas à exploração destas vontades por quem tem avidez pelo lucro. Essas novas gerações se encontram, como todas as outras, no antigo estelionato da força de trabalho.

Então pense. Pense no seu trabalho, se pergunte se você vive para trabalhar ou trabalha para viver, pois não há dúvida de que o trabalho é parte essencial de nossas vidas. Tenha consciência das opções que você tem ao escolher entre empregos (venda da mão de obra à terceiros), pois as opções de empregos que proporcionam a realização do empregado são escassas e, muitas vezes, senão a maioria, não temos opção além daquela da se vender à esse estelionato.

Mas caso não haja opção, que seja pelo menos consciente e assim possamos, algum dia finalmente, virar esse jogo.

Abraços!


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